sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A HISTÓRIA DO GRES ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA (Texto 02)*

Primeira Ala de Compositores da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Em pé: Quendinho, Adolfo Polonês, Nego, José Ramos, Geraldo da Pedra, Maçu, Cartola, Zagaia e Alfaiate. Sentados: Aloisio Dias, Edson, Odaléa, Zeca e Baiano. (01)

     O complexo da Mangueira está situado no Município do Rio de Janeiro, registrada na VII Região Administrativa, São Cristóvão, estando localizado na zona central da cidade. Este complexo é formado por quatro elevações de terra (morros) e constituído pelas favelas dos morros da Mangueira, dos Telégrafos e Parque Candelária.
     Tendo seus limites: ao norte, o bairro de Benfica; a nordeste e leste, o bairro de São Cristóvão; ao sul o bairro do Maracanã; e a sudeste e oeste o bairro de São Francisco Xavier. Localizado na encosta dos Telégrafos, o Complexo da Mangueira é composto por 26,7 hectares, e que em 1991 já possuía um total de 17 favelas com uma população de estimada em 39.100 habitantes aproximadamente.
     Após a proclamação da República, com a saída da família imperial do Brasil, a Quinta da Boa Vista, jardim do imperador, tornou-se um matagal abandonado, sendo aos poucos invadida pela população errante, que lá ia construindo suas casas. Por abrigar, na mesma área, o quartel do 9º Regimento de Cavalaria, ali moravam também diversas famílias de soldados.
     Em 1908, o prefeito do Rio, Serzedelo Correia, resolveu demolir os barracos e expulsar os invasores. Os soldados expulsos, juntamente com os demais moradores, solicitaram ao comandante do Regimento autorização para levar o material das demolições e, com ele, levantar novas moradas num outro local. Atendido o pedido, o local escolhido pelos retirantes foi o lado quase vazio do morro da Mangueira, espólio do português Francisco de Paula Negreiros Saião Lobato, o Visconde de Niterói, que recebera as terras de presente do imperador. O primeiro morador do morro foi o cabo ferrador Cândido Tomás da Silva, o Mestre Candinho.
     Em 1916, chegaram outras famílias de ex-escravos, transferidas do morro de Santo Antônio, que havia sofrido um incêndio. Quando chegaram, já encontraram barracos para alugar, construídos por outro português, Tomás Martins, arrendatário das terras do visconde. Quem ia mensalmente aos barracos cobrar aluguéis era o afilhado de Tomás, um rapazinho de 14 anos, que nascera ali mesmo, no dia 03/08/ 1902. Esse adolescente, que já exercia tal tarefa desde os 08 anos de idade, era Carlos Moreira de Castro, que ficaria conhecido como Carlos Cachaça.
     "Entre os anos de 1910 e 1913, quando o samba não tinha nenhum valor e nem se pensava em Escolas de Samba, a Mangueira já despontava como pioneira dos Carnavais Cariocas. Naquela época, já existiam aqui dois fortes e aguerridos Cordões: Guerreiros da Montanha e Trunfos da Mangueira. O primeiro tinha sua sede na casa da Tia Chiquinha Portuguesa e o segundo na casa do Leopoldo da Santinha, ambas no Buraco Quente. Os Cordões eram mais antigos e maiores que os Ranchos, tanto em pessoas como em instrumental. Tinham uma comissão de frente de índios. Os componentes carregavam bichos vivos: cobras, lagartos, bichos de pena. A coreografia era indígena. O estandarte era um pau bem grosso, de uns dois metros de alto, que só podia ser carregado por homens bem fortes. Eu saía fantasiado de Caboclo Caramuru, de saiote branco de morim, com uma cruz encarnada no peito, outra nas costas e um capacete de três penas. Levava nas mãos um arco, um escudo e um machadinho. Pouco antes da primeira guerra, de 1914, apareceram os Ranchos. Aqui tivemos três: o Pingo do Amor, o Príncipe das Matas, do seu Zé das Pastorinhas, e o Pérolas do Egito, da Tia Fé." (02)
     Para uma comunidade pobre como aquela, era praticamente impossível manter um Rancho durante muito tempo, dado o luxo das fantasias e o alto custo dos instrumentos de sopro e de corda. Por isso, começaram a aparecer os Blocos, as células de onde surgiriam as Escolas. A Mangueira tinha o Bloco da Tia Fé, o Bloco da Tia Tomásia, o Bloco do Mestre Candinho.
     Em 1925, Carlos Cachaça, Cartola, Saturnino, Arturzinho, Zé Espinguela, Maçu, Antônio, Chico Porrão, Homem Bom e Fiúca fundaram o Bloco dos Arengueiros, que, como o próprio nome sugere, reunia a rapaziada que era boa de samba e de briga. Esse Bloco, três anos depois, transformou-se na Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, reunindo, em torno de si, todos os demais blocos da comunidade. Assim, em 28/04/1928, na Travessa Saião Lobato, nº 21, Euclides Roberto dos Santos (morador desse endereço), Pedro Caim, Abelardo Bolinha, Saturnino Gonçalves (Satur, o pai de Neuma), José Gomes da Costa (Zé Espinguela), Marcelino José Claudino (Maçu) e Angenor de Oliveira (Cartola), fundam a Mangueira. As cores verde e rosa (inspiradas no rancho de sua infância, o Arrepiados, do bairro de Laranjeiras) e o nome da Escola foram escolhidos por Cartola:
     "Eu resolvi chamar de Estação Primeira, porque era a primeira estação de trem, a partir da Central, onde havia samba". (03)
     Cartola foi também o primeiro mestre de harmonia, o ensaiador do coro de pastoras e dividia com Carlos Cachaça o título de melhor compositor da comunidade. Saturnino, pai da Dona Neuma, foi o primeiro presidente. Maçu, o primeiro Mestre-Sala. Zé Espinguela, o primeiro realizador de um concurso entre Escolas de Samba, no dia 20/02/1929, dia de São Sebastião, padroeiro da cidade,
     A Escola uniu e une moradores das diversas localidades do Morro da Mangueira: Chalé, Tengo-Tengo, Santo Antônio, Faria, Pedra, Joaquina, Pindura Saia, Red Indian, Telégrafo, Candelária, Buraco Quente e outros. De lá, veio uma grande linhagem de poetas do samba no Rio de Janeiro: além de Cartola e Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Padeirinho, Pelado, Preto Rico, Jorge Zagaia, Jurandir, Xangô da Mangueira, Nelson Sargento, que ajudaram a construir, com a sua música, a imagem de uma nação verde-e-rosa, encravada no subúrbio, mas aberta para toda a cidade e o país.
     No Carnaval, a Mangueira venceu 17 veze o desfile. Entre os sambas-enredos que viraram clássicos do gênero estão "Vale do São Francisco" (1948), "As Quatro Estações do Ano" (1955), "O Grande Presidente" (1956), "Casa Grande e Senzala" (1966), "O Mundo Encantado de Monteiro Lobato" (1967) e "Cem Anos de Liberdade, Realidade ou Ilusão" (1988).


* Texto extraído do Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: Partido-Alto, Samba de Terreiro e Samba Enredo.

(01) - Foto extraída da coleção História do Samba, capítulo 05, capa;
(02) - Depoimento de Carlos Cachaça ao Museu da Imagem e do Som;
(03) - SILVA, Marília T. Barboza da Silva, Carlos Cachaça e Arthur Loureiro de Oliveira Filho. Fala Mangueira. RJ: José Olympio, 1980. p.34.

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