sábado, 5 de outubro de 2013

SÉRIE 80 ANOS EM VERDE-E-ROSA - CAPÍTULO 03 (1968/1987): NOS BRAÇOS DO POVO*

O cantor e compositor Xangô: um Mestre da Harmonia (01)

ESCOLA É ACLAMADA COM BRAGUINHA
E O TÍTULO HISTÓRICO DE 1984
     Era impossível não se emocionar. Depois de uma década de jejum, a Mangueira arrebentou nos primeiros desfiles do Sambódromo. Em quatro anos, foram três títulos de tirar o chapéu. Falavam de Braguinha (1984), Caymmi (1986) e Drummond (1987). A Escola mostrou que além do Carnaval oferecia lições.
     A terceira fase (1968-1987) começou com o bi em 1968: "Festa de um povo". Um forte temporal só cessou instantes antes de a Escola contornar a Candelária. Até samba se fez em agradecimento a São Pedro pela colher de chá.
     Os ensaios já eram badalados e a antiga quadra na Rua Visconde de Niterói não comportava tanta gente. Filas longas na entrada, banheiros minúsculos e "briga" para pegar cerveja.
     Após lutar para regularizar o terreno (reclamado por antigo dono) e obter aprovação do poder público, a Mangueira inaugurou o Palácio do Samba em abril de 1972. "Se a quadra não fosse onde é, talvez o morro tivesse acabado. Projeto da prefeitura desapropriaria grande parte da área: previa braço de viaduto e túnel", crê Raymundo de Castro, 77 anos, diretor financeiro.
     Em 1973, a Mangueira levou a melhor com "Lendas do Abaeté". Nos 11 anos seguintes, a Escola viu as glórias do Salgueiro e, sobretudo, da Beija-Flor.
     Em 1980, com o enredo "Coisas nossas", incluiu homenagem a Garrincha, já muito doente. Ficou em antepenúltimo lugar. A Escola perdera grandes nomes. Em 1980, a Porta-Bandeira Neide e Cartola. Em 1983, o Mestre Waldomiro Thomé Pimenta, que comandou a Bateria por 51 anos.
     A inauguração do Sambódromo em 1984 deu sorte. Ganhou com "Yes, nós temos Braguinha". O momento mais marcante ocorreu quando os mangueirenses, após o desfile, retornaram na contramão pela pista. O público, em êxtase, misturou-se às Alas. Os jurados ficaram atônitos. Em 1985, após um 7º lugar, conquistou o bi, com as voltas do carnavalesco Júlio Mattos e do diretor de harmonia Olivério Ferreira, o Xangô. Nos dois desfiles, retomou com sucesso a homenagem a ícones da cultura brasileira, Caymmi e Drummond.
DAMAS DA VERDE-E-ROSA
     A escolha do enredo "O Reino das Palavras", sobre Carlos Drummond de Andrade, de 1987, contou com o entusiasmo de Dona Neuma, filha de um dos fundadores da Escola, Saturnino Gonçalves. "Ela queria dar um salto no conhecimento das crianças do morro" explica a pesquisadora Marilia Trindade, autora do livro "Fala Mangueira".
     Dona Neuma sempre se empenhou em alfabetizar a criançada. "como é que pode? Ninguém vai se alfabetizado com esta cartilha" disse certa vez, "Ivo viu a uva. Aqui na Mangueira ninguém come uva. Se disser 'João comeu banana' todo mundo vai entender", observava. "De alguma forma, ela falava como Paulo Freire. Você tem de contextualizar o ensino com ambiente", afirma Marilia. Dona Neuma lançou as bases dos projetos sociais que ganharam fama mundial nos últimos anos. Em 1987, a Escola inaugurou a Vila Olímpica.
     Outra diva da Mangueira era Dona Zica. "Era uma marqueteira nata", diz a pesquisadora. Dona Zica alcançou a condição de dama ao se casar com Cartola. "O grande mérito da Zica foi fazer a profissionalização de Cartola", conta Marilia.
     Dona Neuma morreu aos 78 anos, de acidente vascular cerebral, em 2000, e Dona Zica, aos 89 anos, de parada cardíaca, em 2003. A Mangueira moldava o contato entre essas duas mulheres extraordinárias.
     Não é que elas não se davam. Elas não se curtiam. "Às vezes, Neuma dizia uma coisa de que Zica não gostava e vice-versa", lembra. A pesquisadora ressalta, "que quando tinha festa na casa de uma, a outra não ia. Mas se chegasse a imprensa, a anfitriã mandava buscar a amiga. A paixão mangueirense falava mais alto".
 
 

* Texto de Élcio Braga e Raphael Azevedo e foto, publicados no jornal O Dia, em 22/04/2008, p.04.
(01) - Foto, publicada no jornal O Dia, em 22/04/2008, p.04.

Nenhum comentário:

Postar um comentário