O cantor e compositor
Xangô: um Mestre da Harmonia (01)
ESCOLA É ACLAMADA COM BRAGUINHA
E O TÍTULO HISTÓRICO DE 1984
Era impossível não se emocionar. Depois de
uma década de jejum, a Mangueira arrebentou nos primeiros desfiles do
Sambódromo. Em quatro anos, foram três títulos de tirar o chapéu. Falavam de
Braguinha (1984), Caymmi (1986) e Drummond (1987). A Escola mostrou que além do
Carnaval oferecia lições.
A terceira fase (1968-1987) começou com o
bi em 1968: "Festa de um povo". Um forte temporal só cessou instantes
antes de a Escola contornar a Candelária. Até samba se fez em agradecimento a
São Pedro pela colher de chá.
Os ensaios já eram badalados e a antiga quadra
na Rua Visconde de Niterói não comportava tanta gente. Filas longas na entrada,
banheiros minúsculos e "briga" para pegar cerveja.
Após lutar para regularizar o terreno
(reclamado por antigo dono) e obter aprovação do poder público, a Mangueira inaugurou
o Palácio do Samba em abril de 1972. "Se a quadra não fosse onde é, talvez
o morro tivesse acabado. Projeto da prefeitura desapropriaria grande parte da
área: previa braço de viaduto e túnel", crê Raymundo de Castro, 77 anos,
diretor financeiro.
Em 1973, a Mangueira levou a melhor com "Lendas
do Abaeté". Nos 11 anos seguintes, a Escola viu as glórias do Salgueiro e,
sobretudo, da Beija-Flor.
Em 1980, com o enredo "Coisas nossas",
incluiu homenagem a Garrincha, já muito doente. Ficou em antepenúltimo lugar. A
Escola perdera grandes nomes. Em 1980, a Porta-Bandeira Neide e Cartola. Em
1983, o Mestre Waldomiro Thomé Pimenta, que comandou a Bateria por 51 anos.
A inauguração do Sambódromo em 1984 deu
sorte. Ganhou com "Yes, nós temos Braguinha". O momento mais marcante
ocorreu quando os mangueirenses, após o desfile, retornaram na contramão pela
pista. O público, em êxtase, misturou-se às Alas. Os jurados ficaram atônitos.
Em 1985, após um 7º lugar, conquistou o bi, com as voltas do carnavalesco Júlio
Mattos e do diretor de harmonia Olivério Ferreira, o Xangô. Nos dois desfiles,
retomou com sucesso a homenagem a ícones da cultura brasileira, Caymmi e
Drummond.
DAMAS DA VERDE-E-ROSA
A escolha do enredo "O Reino das
Palavras", sobre Carlos Drummond de Andrade, de 1987, contou com o
entusiasmo de Dona Neuma, filha de um dos fundadores da Escola, Saturnino
Gonçalves. "Ela queria dar um salto no conhecimento das crianças do morro"
explica a pesquisadora Marilia Trindade, autora do livro "Fala
Mangueira".
Dona Neuma sempre se empenhou em
alfabetizar a criançada. "como é que pode? Ninguém vai se alfabetizado com esta
cartilha" disse certa vez, "Ivo viu a uva. Aqui na Mangueira ninguém
come uva. Se disser 'João comeu banana' todo mundo vai entender",
observava. "De alguma forma, ela falava como Paulo Freire. Você tem de
contextualizar o ensino com ambiente", afirma Marilia. Dona Neuma lançou
as bases dos projetos sociais que ganharam fama mundial nos últimos anos. Em
1987, a Escola inaugurou a Vila Olímpica.
Outra diva da Mangueira era Dona Zica.
"Era uma marqueteira nata", diz a pesquisadora. Dona Zica alcançou a
condição de dama ao se casar com Cartola. "O grande mérito da Zica foi
fazer a profissionalização de Cartola", conta Marilia.
Dona Neuma morreu aos 78 anos, de acidente
vascular cerebral, em 2000, e Dona Zica, aos 89 anos, de parada cardíaca, em
2003. A Mangueira moldava o contato entre essas duas mulheres extraordinárias.
Não é que elas não se davam. Elas não se
curtiam. "Às vezes, Neuma dizia uma coisa de que Zica não gostava e
vice-versa", lembra. A pesquisadora ressalta, "que quando tinha festa
na casa de uma, a outra não ia. Mas se chegasse a imprensa, a anfitriã mandava
buscar a amiga. A paixão mangueirense falava mais alto".
* Texto de Élcio Braga e Raphael Azevedo e foto, publicados no jornal O Dia, em 22/04/2008, p.04.
(01) - Foto, publicada no jornal O Dia, em
22/04/2008, p.04.
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