segunda-feira, 23 de setembro de 2013

SÉRIE 80 ANOS EM VERDE-E-ROSA CAPÍTULO 01 (1928/1947): MANGUEIRA CHEGOU*

Aos 86 anos, o Mestre-Sala Delegado é pura vitalidade (01)

HÁ OITO DÉCADAS NASCIA A ESCOLA DE SAMBA
QUE TODO O MUNDO CONHECE AO LONGE
     O Morro da Mangueira começou a ganhar cores em 28/04/1928. Mais precisamente o verde e o rosa, a combinação que transformou a vida de gerações e, sem jamais trair a tradição, contribuiu espetacularmente na construção da mega-indústria do Carnaval. Ao lançarem a semente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, espremidos em um barraco, 80 anos atrás, sete homens simples ensinaram ao mundo que a vida não vale nada sem uma grande paixão.
     É essa fabulosa história de amor à Escola de Samba mais adorada do país que "O Dia" começa a contar, a partir de hoje. Prepare-se para doses de emoção colecionadas ao longo de quatro décadas de existência. Gente que pela Mangueira sorriu, chorou, brigou e até morreu na avenida.
     A Verde-e-Rosa é hoje uma marca insuperável. Conquistou 18 títulos (inclusive o Supercampeonato de 1984) e ofereceu série antológica de sambas-enredo, como "Lendas do Abaeté" (1973) e "Yes, Nós Temos Braguinha" (1984). A quadra é a mais badalada da cidade. Atrai jovens da classe média, artistas e turistas. A Verde-e-Rosa faz campeões também fora da Sapucaí. Na Vila Olímpica e na quadra, programas sociais e educativos atendem cinco mil pessoas.
     Em 1935, componentes fizeram desfile especial na antiga passarela em homenagem ao presidente, Saturnino Gonçalves, que assistiu a tudo do leito de morte. Emocionado, ele desmaiou. "A Escola acabou se atrasando para o desfile oficial e foi desclassificada", conta a filha Ulyssea Gonçalves. Satur morreu pouco depois, mas nasceu assim a força da paixão mangueirense.
PRESENTE PARA TODA A VIDA
     Ao completar cinco anos em 28/04/1928, Ulyssea Gonçalves aguardou em casa a chegada do pai, Saturnino Gonçalves. Depois de tanta demora, ele apareceu com a surpresa. "Não trago um presente, mas a Estação Primeira de Mangueira", anunciou Satur, que acabara de criar com seis amigos nova Agremiação de Carnaval no Morro da Mangueira.
    Tia Cecéa, hoje às vésperas de fazer 85 anos, não entendeu na época do que se tratava exatamente. Hoje, tem plena consciência do valor do presente. Ela é irmã de Dona Neuma, um dos símbolos da Escola, e tia da presidente, Eli Gonçalves, a Chininha.
    A Escola havia sido criada na casa de Euclides Roberto dos Santos, na Travessa Saião Lobato 07, no Buraco Quente. Além de Saturnino e Euclides, estavam presentes Marcelino José Claudino, o Maçu, Abelardo da Bolinha, Pedro Caim, Zé Espinguela e Angenor de Oliveira, o Cartola. Carlos Cachaça ficou de fora. "Uns dizem que foi atrás de uma namorada. Mas ele disse que estava no trabalho", explica a filha Inês de Castro, 70 anos, da Velha Guarda.
     Para os amigos, havia a necessidade de unir o morro com uma Agremiação, mais organizada, livre da fama de desordeira. Cartola sugeriu o nome, inspirado na linha férrea: a Mangueira era a primeira estação com samba. Escolheu verde e rosa, cores de um bloco em Laranjeiras.
BATISMO DE FOGO COM PORTELA E ESTÁCIO
     O batismo de fogo da Mangueira aconteceu em disputa com a Portela e o Estácio. Em 1929, Zé Espinguela convidou as Agremiações para apresentação de samba em frente ao seu barraco. A Verde-e-Rosa mostrou "Chega de Demanda" de Cartola. O único juiz era o próprio anfitrião mangueirense. "A quem Espinguela deu o troféu? À Mangueira? Não, à Portela. Para ele, os compositores da Portela fizeram o melhor improviso, como era costume naquela época em trecho da canção", conta Fernando Antônio Guerra Peixe, diretor do centro de memória da Mangueira.
     "O pau quebrou" continua Guerra Peixe. "O pessoal do Estácio quis bater no Espinguela e os mangueirenses o defenderam. A turma da Portela quis brigar com o Estácio". Na semana seguinte, o anfitrião chamou as Agremiações. "Entregou um troféu a cada Escola e acabou o problema", diz o diretor.
     As Agremiações eram Blocos é só ganharam a denominação atual depois que o lendário compositor Ismael Silva, do Estácio, teve o estalo "o que nós ensinamos? Samba. Então, somo uma Escola de Samba", concluiu ele, que ajudaria a fundar a Deixa Falar, considerada a primeira Escola.
      Em 1935, o Carnaval das Grandes Sociedades e Ranchos estava em decadência. "O presidente Getúlio Vargas liberou verba para organizar a folia e as Escolas passaram a chamar mais a atenção" explica o pesquisador Hiram Araújo, diretor do centro de memória da Liesa.
FANTASIAS IMPROVISADAS E 300 COMPONENTES
    Nos primeiros anos da Escola, os desfiles eram bem diferentes, sem enredo, com temas. Segundo o pesquisador Hiram Araújo, a Agremiação trazia dois ou mais sambas, normalmente ligados a paixões. Baianas seguravam corda para separar pouco mais de 300 desfilantes do público, incluídos 60 ritmistas.
    Eram anos heroicos. As roupas dos desfiles eram pobres e pagas pelos componentes. "A nossa fantasia de baiana era feita de pano vagabundo, que parecia papel crepom", conta Arlete Silva, a Tia Suluca, 80 anos, a mais antiga da Ala das Baianas, Tia Suluca é irmã de Hégio Laurindo da Silva, o Delegado, 86 anos, o Mestre-Sala que fez par com as Porta-Bendeiras Neide e Mocinha. Ganhou o apelido por arrebatar corações. "Diziam que eu prendia as melhores meninas com a lábia. Por isso, me chamaram de Delegado", explica.
 
 

* Texto de Élcio Braga e Raphael Azevedo publicado no jornal O Dia, em 20/04/2008, p.10-11.
(01) - Foto publicada no jornal O Dia, em 20/04/2008, p.10.

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