terça-feira, 17 de setembro de 2013

A PRIMEIRA ESTAÇÃO DO SAMBA

A árvore genealógica da Estação Primeira.
 
     Um morro com a Quinta da Boa a Vista de um lado. A Estrada de Ferro Central do Brasil, de outro. Os barracos subindo até o topo. Fala Mangueira!
 
"Chega de demanda
 Chega
 Com esse time temos que ganhar
 Somos a Estação Primeira
 Salve o Morro da Mangueira" (01)

     Aborrecido com a discriminação (justa) que os integrantes dos demais Blocos de Carnaval da Mangueira tinham com seu Bloco dos Arengueiros, o compositor Cartola descia as ladeiras, enquanto compunha esse verdadeiro samba-manifesto. Que conseguiu o milagre de unir todos os sambistas do morro em torno de uma de uma só bandeira, fazendo surgir a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
     Os anos 1920 chegavam ao fim, o morro estava lotado de famílias de trabalhadores que, procurando moradia barata, escolheram a colina famosa. E que já fora chamada de "Petrópolis dos Pobres", no início do século XX, pelos bons ares que lá se respirava. O velho Morro dos Telégrafos começou a ser habitado pela gente humilde, que erguia suas casas entre as mangueiras naturais, subindo as construções pelos lados norte e sul, até se encontrarem no topo, por volta de 1919. Gente humilde, mas festeira, e se contavam por lá os Blocos Carnavalescos dos Guerreiros das Montanhas, Triunfos da Mangueira, Pérolas do Egito, Siri Com Arroz, o de Mestre Candinho, todos em boas relações com os Ranchos Pingo do Amor e Príncipe das Matas.
     Mas, apareceu o tal de Arengueiros, Bloco da rapaziada braba, que saía para fazer arruaça e provocar confusão. Natural, portanto, a discriminação. Porém, naquele ano de 1929, um garoto de menos de 20 anos percebeu que seu amor pelo morro e pelo samba eram iguais. Que acabara de surgir no bairro do Estácio de Sá um movimento novo chamado Escola de Samba, uma grande ideia. Que os melhores batuqueiros eram os Arengueiros, mas que, sem a ajuda dos outros Blocos, nada poderiam fazer. Tinham de ser regenerar e atraí-los. Ele mesmo Cartola, conta como foi:
    "Foi na casa do Seu Euclides (Euclides Roberto dos Santos), no nº 21 do Buraco Quente, que a gente se reuniu. Estávamos lá, eu, o Satur (Saturnino Gonçalves), o Zé Espinguela, (José Gomes da Costa), o Abelardo da Bolinha, o Pedro Caim e o Maçu (Marcelino José Claudino). Resolvemos nos organizar:
     - 'Vamos fazer ima coisa séria?'
     - 'Vamos!'
     Não tínhamos nada. Dançar e ensaiar era na rua. Arranjamos uma casa, mas no início só apareciam umas trinta pessoas. No ano seguinte organizamos em definitivo a Estação Primeira de Mangueira. Com esse nome, por ser a primeira estação da Central do Brasil que tinha samba. Com as cores verde e rosa que eu escolhi por serem do Racho Arrepiados, que eu frequentava com meu pai, quando era menino em Laranjeiras. Aí já tínhamos local para ensaiar e o pessoal foi se chegando aos poucos.
     Os Arengueiros, os que não prestavam, começaram a impor respeito e organização. Saímos no ano seguinte no ano seguinte, ainda com pouca gente, mas já representando o Morro. Fomos disputar com o Estácio, com Favela. Foi então que fiz o samba "Chega de Demanda" e os demais Blocos foram se chegando. O amor ao morro falou mais alto. Convencidos que estávamos mudados, todos se uniram conosco, era o nome da Mangueira que estava em jogo. Acabaram-se os bloquinhos, fez-se a junção geral. Nasceu a poderosa Estação Primeira de Mangueira".


Chico Porrão.

     Na valentia no morro da Mangueira, Chico Porrão era destaque. Forte, não enjeitava parada, além de grande figura do Bloco dos Arengueiros. "Brigava bem de pau, mas preferia navalha" contava Cartola. Quando resolveu tomar juízo (como todos os Arengueiros), acabou sócio nº 01 da Mangueira. Teve importante atuação como dirigente da Escola, durante anos.
 
Cartola.
 
     Ícone da música popular brasileira, Cartola (Angenor de Oliveira) amava a Mangueira e o samba que se fazia lá. Foi o responsável pela união dos sambistas e pela fundação da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
 
Carlos Cachaça.
 
     Adiantou o escrivão anotar Carlos Moreira de Castro na certidão do menino? O pai, Carlos Moreira de Castro, e a mãe (rainha sem nunca ter coroa) Inês de Castro, bem que imaginaram uma profissão para o filho: médico, advogado ou diplomata. Local do nascimento? Morro da mangueira. resultaria em quê? Carlos Cachaça, poeta maior.
 

Documento que aponta a fundação da Agremiação em 28/04/1929.
 
      Mangueirenses divergem quanto à data de fundação da Escola. Pesquisadores e historiadores também não conseguem estabelecer dia, mês e ano, que possam ser confirmados como os do aparecimento da tradicional Escola de Samba do Rio de Janeiro.
     Apoiados principalmente nos relatos de velhos moradores do morro, os pesquisadores Roberto Moura e Marilia T. Barbosa da Silva dão a fundação da Mangueira como acontecida no dia 28/04/1928. Se fosse certo, esse dado a transformaria na primeira Escola de Samba surgida no Brasil, fato reconhecido pela história da Deixa Falar, que nasceu em 12/08/1928.
     A história oficial da Mangueira adota abril de 1928 como verdadeira, mas a carta (à cima) apresentada por Sérgio Cabral, em seu livro "As Escolas de Samba do Rio de Janeiro", parece acabar com as dúvidas. Enviada ao radialista Almirante, em papel timbrado, lê-se claramente: "Fundada (sic) em 28/04/1929.


* Os textos e as fotos (com exceção da 1ª que é do Palácio do Samba) foram extraídos da coleção História do Samba, capítulo 05, p.'s 82-85.

 (01) - CHEGA DE DEMANDA – Cartola.

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