Aos 86
anos, o Mestre-Sala Delegado é pura vitalidade (01)
HÁ OITO DÉCADAS NASCIA A ESCOLA DE
SAMBA
QUE TODO O MUNDO CONHECE AO LONGE
QUE TODO O MUNDO CONHECE AO LONGE
O Morro da Mangueira começou a ganhar
cores em 28/04/1928. Mais precisamente o verde e o rosa, a combinação que
transformou a vida de gerações e, sem jamais trair a tradição, contribuiu
espetacularmente na construção da mega-indústria do Carnaval. Ao lançarem a
semente da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, espremidos em um
barraco, 80 anos atrás, sete homens simples ensinaram ao mundo que a vida não
vale nada sem uma grande paixão.
É essa fabulosa história de amor à Escola
de Samba mais adorada do país que "O
Dia" começa a contar, a partir de hoje. Prepare-se para
doses de emoção colecionadas ao longo de quatro décadas de existência. Gente
que pela Mangueira sorriu, chorou, brigou e até morreu na avenida.
A Verde-e-Rosa é hoje uma marca
insuperável. Conquistou 18 títulos (inclusive o Supercampeonato de 1984) e
ofereceu série antológica de sambas-enredo, como "Lendas do Abaeté"
(1973) e "Yes, Nós Temos Braguinha" (1984). A quadra é a mais
badalada da cidade. Atrai jovens da classe média, artistas e turistas. A
Verde-e-Rosa faz campeões também fora da Sapucaí. Na Vila Olímpica e na quadra,
programas sociais e educativos atendem cinco mil pessoas.
Em 1935, componentes fizeram desfile
especial na antiga passarela em homenagem ao presidente, Saturnino Gonçalves,
que assistiu a tudo do leito de morte. Emocionado, ele desmaiou. "A Escola
acabou se atrasando para o desfile oficial e foi desclassificada", conta a
filha Ulyssea Gonçalves. Satur morreu pouco depois, mas nasceu assim a força da
paixão mangueirense.
PRESENTE PARA TODA A
VIDA
Ao completar cinco anos em 28/04/1928,
Ulyssea Gonçalves aguardou em casa a chegada do pai, Saturnino Gonçalves.
Depois de tanta demora, ele apareceu com a surpresa. "Não trago um
presente, mas a Estação Primeira de Mangueira", anunciou Satur, que acabara
de criar com seis amigos nova Agremiação de Carnaval no Morro da Mangueira.
Tia Cecéa, hoje às vésperas de fazer 85
anos, não entendeu na época do que se tratava exatamente. Hoje, tem plena
consciência do valor do presente. Ela é irmã de Dona Neuma, um dos símbolos da Escola,
e tia da presidente, Eli Gonçalves, a Chininha.
A Escola havia sido criada na casa de
Euclides Roberto dos Santos, na Travessa Saião Lobato 07, no Buraco Quente.
Além de Saturnino e Euclides, estavam presentes Marcelino José Claudino, o
Maçu, Abelardo da Bolinha, Pedro Caim, Zé Espinguela e Angenor de Oliveira, o
Cartola. Carlos Cachaça ficou de fora. "Uns dizem que foi atrás de uma
namorada. Mas ele disse que estava no trabalho", explica a filha Inês de
Castro, 70 anos, da Velha Guarda.
Para os amigos, havia a necessidade de
unir o morro com uma Agremiação, mais organizada, livre da fama de desordeira.
Cartola sugeriu o nome, inspirado na linha férrea: a Mangueira era a primeira
estação com samba. Escolheu verde e rosa, cores de um bloco em Laranjeiras.
BATISMO
DE FOGO COM PORTELA E ESTÁCIO
O batismo de fogo da Mangueira aconteceu
em disputa com a Portela e o Estácio. Em 1929, Zé Espinguela convidou as
Agremiações para apresentação de samba em frente ao seu barraco. A Verde-e-Rosa
mostrou "Chega de Demanda" de Cartola. O único juiz era o próprio
anfitrião mangueirense. "A quem Espinguela deu o troféu? À Mangueira? Não,
à Portela. Para ele, os compositores da Portela fizeram o melhor improviso,
como era costume naquela época em trecho da canção", conta Fernando
Antônio Guerra Peixe, diretor do centro de memória da Mangueira.
"O pau quebrou" continua Guerra
Peixe. "O pessoal do Estácio quis bater no Espinguela e os mangueirenses o
defenderam. A turma da Portela quis brigar com o Estácio". Na semana
seguinte, o anfitrião chamou as Agremiações. "Entregou um troféu a cada
Escola e acabou o problema", diz o diretor.
As Agremiações eram Blocos é só ganharam a
denominação atual depois que o lendário compositor Ismael Silva, do Estácio,
teve o estalo "o que nós ensinamos? Samba. Então, somo uma Escola de
Samba", concluiu ele, que ajudaria a fundar a Deixa Falar, considerada a
primeira Escola.
Em 1935, o Carnaval das Grandes Sociedades
e Ranchos estava em decadência. "O presidente Getúlio Vargas liberou verba
para organizar a folia e as Escolas passaram a chamar mais a atenção"
explica o pesquisador Hiram Araújo, diretor do centro de memória da Liesa.
FANTASIAS
IMPROVISADAS E 300 COMPONENTES
Nos primeiros anos da Escola, os desfiles
eram bem diferentes, sem enredo, com temas. Segundo o pesquisador Hiram Araújo,
a Agremiação trazia dois ou mais sambas, normalmente ligados a paixões. Baianas
seguravam corda para separar pouco mais de 300 desfilantes do público,
incluídos 60 ritmistas.
Eram anos heroicos. As roupas dos desfiles
eram pobres e pagas pelos componentes. "A nossa fantasia de baiana era
feita de pano vagabundo, que parecia papel crepom", conta Arlete Silva, a
Tia Suluca, 80 anos, a mais antiga da Ala das Baianas, Tia Suluca é irmã de
Hégio Laurindo da Silva, o Delegado, 86 anos, o Mestre-Sala que fez par com as
Porta-Bendeiras Neide e Mocinha. Ganhou o apelido por arrebatar corações.
"Diziam que eu prendia as melhores meninas com a lábia. Por isso, me
chamaram de Delegado", explica.
* Texto de Élcio Braga e Raphael Azevedo publicado no jornal O Dia, em 20/04/2008, p.10-11.
(01) - Foto publicada no jornal O Dia, em 20/04/2008, p.10.
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